Há 41 anos o povo saiu à rua e deu início a um processo inacabado que mudou o rumo da história das nossas ilhas.
A sociedade açoriana de então vivia momentos de grande intranquilidade e insegurança. Os acontecimentos surgiam de uma forma descontrolada e a um rimo a que não estávamos habituados.
Novas ideias surgiam, novos velhos projetos, esmagados pelo centralismo de Lisboa, voltavam a ganhar sentido e um grupo de cidadãos começou, novamente, a sonhar com a velha ideia da livre administração dos Açores pelos açorianos.
Sem grande formação politica, fruto de mais de meio século de obscurantismo, as populações locais não estavam preparados para enfrentar as adversidades que entretanto iam surgindo e que impediam o normal desenvolvimento de um projeto politico historicamente ambicionado. Os adversários da livre administração dos Açores pelos açorianos estavam atentos e de uma forma ativa fizeram sentir a sua vontade, dificultando a regular defesa de um projeto político que tinha sido iniciado no final do século XIX e que Lisboa tinha esvaziado completamente a sua essência, reduzindo o poder autonómico a uns simples gabinetes desprovidos de meios e de capacidade de intervenção, fazendo com que tudo tivesse voltado ao início, o que significa dizer que Portugal tinha conseguido impor a sua vontade centralizadora.
Neste contexto, o povo saiu à rua a seis de junho de 1975 e tudo mudou. Com o tempo os centralistas tornaram-se autonomistas, os anti-autonomistas desapareceram, o projeto independentista ganhou consistência, a política passou a estar no centro da vida social das populações, muitas famílias dividiram-se como consequência das opções políticas de cada um, enfim, a revolução tinha chegado aos Açores.
Nos dias que se seguiram os centralistas tentaram atenuar os efeitos do processo que tinha sido iniciado, mas as populações reagiram e agruparam-se em torno dos independentistas. Foi um momento de clivagem: quem não era independentista era contra, não havia lugar para a neutralidade. Assim, a Frente de Libertação dos Açores, passou a ser olhada como a organização em quem os açorianos depositaram as suas espectativas.
A experiência revela-nos que o Ser humano, quando confrontado com a adversidade procura segurança junto daqueles em quem confia. Foi assim há 41 anos. Na sociedade de então existiam muitas instituições formalmente constituídas a quem as populações poderiam solicitar apoio, sociedades, partidos, clubes, a igreja e tudo o que a ela está associado, etc, porém foi junto dos independentistas que a sociedade se refugiou de forma a procurar segurança. Este facto é muito significativo e confere-nos grandes responsabilidades históricas e políticas, porque perante a adversidade fomos considerados pessoas de bem, em quem se podia confiar, o que nos permite concluir que fomos reconhecidos como um porto de abrigo. Historicamente este facto é muito importante porque comprova que nos momentos difíceis, nós independentistas, nunca viramos as costas aos açorianos. Este legado político, confere-nos grandes responsabilidades.
Esta condição de guardiões da açorianidade é muito enobrecedora, porém, no presente, não nos permite ter grande capacidade de intervenção. A nossa existência pode transmitir segurança às populações, e este aspeto é importante, mas é muito redutor limitarmos a nossa intervenção a este domínio. Devemos sentir orgulho em vermos reconhecido o nosso papel como defensores das nossas ilhas, mas também devemos ter um papel mais ativo de forma a contribuirmos para a construção de uns Açores independentes.
Passados 41 anos muito mudou e muitas destas mudanças interferem direta ou indiretamente connosco. O mundo tornou-se mais pequeno, nós açorianos passamos a ter outra mundividência, os grandes conflitos são civilizacionais, os Estados partilham poder, a Europa vacila entre a união e a fragmentação, a informação circula a uma velocidade alucinante, a noção de território cada vez mais integra o mar, Portugal tornou-se um protetorado da Europa, (mas sempre grande com os pequenos e humilde com os grandes), os Estados Unidos passaram de maior importador de hidrocarbonetos para exportador, o canal da Guatemala irá permitir que navios de grande calado atravessem do Pacifico para a o Atlântico, produtos como a água passaram a ter outro valor, recursos minerais são encontrados no mar, o negócio do dinheiro começa a gerar algum desconforto, surgem novos produtos turísticos, Washingtom e Bruxelas preparam uma parceria transatlântica de comércio e investimento, que irá revolucionar o comércio a nível mundial e nós açorianos vivemos 40 anos de experiência autonómica, etc, etc.
A nível interno e político estamos a viver o mesmo que aconteceu durante o processo autonómico de 1895. Este começou com grande dinamismo e entusiasmo, mobilizando a sociedade açoriana de então, e acabou como todos nós sabemos, em nada. No presente começamos com uma autonomia progressiva. Depois esta deu lugar a uma autonomia tranquila e, para espanto dos mais ingénuos, as instituições regionais já afirmam que é indispensável a manutenção do “património autonómico adquirido”, o que, por outras palavras, significa dizer que passamos de uma dinâmica construtiva, para uma fase estável e estamos a viver um momento de desconstrução. Como consequência tem vindo a instalar-se um grande desencanto.
Pela segunda vez a História segue o mesmo rumo. Na primeira autonomia tudo acabou em nada. Na presente autonomia, o controlo é mais sofisticado, mas na essência o resulta é mesmo. O poder nos Açores é exercido por partidos políticos que são sucursais dos partidos nacionais, logo os intervenientes locais prestam vassalagem aos nacionais para poderem sobreviver politicamente. Por outro lado, o Estado assume uma dimensão despropositada na região, intervindo no que deve e no que não deve. Com estes ingredientes temos a matéria-prima necessária para fabricar uma condição de total dependência. Os políticos regionais vão vivendo a triste ilusão de que são os detentores do poder, porém, nas questões estruturantes e essenciais, Portugal nem precisa de dar um murro na mesa para impor a sua vontade, basta que ameace retirar-lhes os seus cargos para que eles como cordeiros afinem pelo mesmo diapasão.
É importante salientar que vivemos num mundo onde, cada vez mais, temos que contar connosco e temos que estar preparados para enfrentar transformações imprevisíveis. As mudanças acontecem quando menos esperamos e, ao contrário do que seria previsível, muitas vezes tomam rumos que nunca imaginamos
Neste contexto, deixar o nosso destino nas mãos de Portugal, compromete seriamente as nossas pretensões, pois a História ensinou-nos que Lisboa quando confrontada entre as nossas necessidades e os seus desejos, nunca hesitou e optou sempre por si.
Por último temos que ter consciência que, enquanto os outros quadrantes políticos se orientam de acordo com interesses associados ao exercício do poder, nós agimos em função de aspetos estruturantes e é destes que depende o futuro dos Açores. Sendo esta a nossa natureza e tendo consciência dos perigos que corremos é nosso dever intervir.
Temos que nos mobilizar e estar em todos os locais e organizações. Devemos lutar para que exista menos Estado a condicionar a nossa vida, não que tenha algum preconceito ideológico relativamente à participação do Estado na vida dos Países, mas sim porque que este Estado em particular está estruturado para permitir o controlo da vida dos cidadãos açorianos, o que nos torna menos livres e mais fáceis de subjugar. Como consequência, o medo existe nos Açores e muitos são os momentos em que ele interfere no livre exercício da cidadania. Há que fortalecer a capacidade interventiva dos açorianos nos seus destinos libertando-os de um Estado controlador e castrador, o que nos tornará mais independentes.
Lisboa, satisfeita com a sua cadeia de controlo, não hesita em violar uma das mais elementares regras da democracia: o direito de associação, proibindo a existência de partidos regionais e de partidos ou associações que defendam a independência dos Açores. Ao contrário do que acontece nos países que formam o mundo a que Portugal diz orgulhosamente pertencer, os independentistas nos Açores são reprimidos sendo tratados como marginais que não têm direito a existir. Para Lisboa somos todos fantasmas.
Quando numa sociedade existe um grupo de cidadão que não se pode associar para defender as suas ideias, quando existe uma lei que retira a possibilidade a este mesmo grupo de participar nos atos eleitorais, então estes cidadãos não são homens livres, são cidadãos de segunda.
Sabemos porque Portugal não pretende alterar o estabelecido, porém é nosso dever junto de todos os organismos internacionais denunciar a nossa condição de cidadãos não livres e denunciar o poder de Lisboa como o responsável por um Estado que se diz democrático, mas que na sua essência defende leis mais próprias das ditaduras que condena.
Mas, por que razão Lisboa teme que nos possamos organizar politicamente? O que teme Portugal com a nossa participação politica?
A resposta é óbvia e só não vêm aqueles que estão acomodados e beneficiam com a sua condição.
Caso os independentistas açorianos tivessem acesso ao poder a cadeia de controlo montada por Lisboa seria quebrada, o que reforçaria as reivindicações regionais.
Caso tivéssemos um Governo Regional formado por partidos independentistas questões como o princípio da continuidade territorial, reforço do mercado interno, politica de transportes que permitisse um maior aproximação entre ilhas, programas específicos para a construção de um novo tecido empresarial açoriano, politicas para a fixação de populações nas ilhas que estão a desertificar, legislação que incutisse uma cultura de responsabilização politica dos nossos dirigentes, obrigando-os a colocar o interesse publico acima dos interesses partidários e pessoais, mecanismos para atrair os nossos imigrantes a regressarem e a investir na sua terra, etc, etc, todas estas questões seriam tratadas de outra forma e em vez de andarem a entreter o povo com festas e esmolas, estaríamos a criar condições para termos uma situação económica mais sustentável, o que significa dizer que seriamos mais independentes, o que não agrada a Portugal.
Lisboa diz que somos portugueses, mas depois teme que possamos fugir ao seu controlo politico. A sua atitude é reveladora de que têm consciência que de facto não somos tão portugueses como eles dizem. Portugal tem plena consciência que, no dia que conseguirmos sustentabilidade económica, eles irão perder o controlo sobre as nossas ilhas. Eles, melhor que ninguém, sabem que historicamente sempre fomos tratados em condições infra-humana e que este facto aliado a seiscentos anos de vivência insular, criou em nós uma forma particular de estar no mundo, que nos leva a querer ser donos dos nossos destinos. Somos um povo sofrido, mas orgulhoso e historicamente sempre que as circunstâncias nos foram favoráveis conquistamos poder e sonhamos com a independência. Lisboa viu como reagimos em 1820 quando algumas vozes gritaram: - Queremos ser independentes. Voltou a estar atenta em 1895, quando novamente se ouviram gritos de independência e jamais esquecerá o que aconteceu em 1975, porque verificou que já não haviam só gritos de independência, pois esta estava a acontecer.
Lisboa quer-nos marginais porque sabe que os países são construções e que a nossa intervenção irá sempre potenciar a possibilidade de podermos ser um novo país.
A história está do nosso lado. Havemos de participar no sistema, seremos maioritários na nossa região, e quando lá chegarmos lutaremos por tudo o que considerarmos ser o melhor para as nossas gentes. Se considerarmos que queremos continuar ligados a Portugal, escolheremos a forma. Se considerarmos que é melhor separar-nos, então seremos um País independente. A vontade será a nossa. No momento em que considerarmos que estamos prontos para ser um País, havemos de declarar de independência, mas este momento será aquele que escolhermos. Não compete aos outros serem os donos dos nossos destinos. Somos maiores e temos vontade própria.
Viva a vontade dos açorianos.
Viva o mundo que os açorianos querem construir para si.
Viva o Açores Livres.
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