A História de uma região é formada por um somatório de casos (nunca episódios) que se vão articulando de forma a construir uma narrativa que alimenta o imaginário popular. A seleção dos casos que ganham direito a entrar para a História, prende-se com a influência que estes ganham na determinação do percurso da vida das populações e na vontade política dos construtores da História oficial.
Na sequência de uma intensa campanha autonómica e independentista, centrada na ilha de São Miguel, foi publicado o decreto de 2 de março de 1895, como resultado de uma campanha que mobilizou grandes energias e muita vontade popular. Enganam-se os que pensam que esta autonomia foi concedida aos açorianos micaelenses como prova do reconhecimento de um direito legítimo que há muito vinha a ser reivindicado. Ela foi arrancada a ferros e o Terreiro do Paço só cedeu porque não encontrou melhor solução para ultrapassar impasse que havia sido criado.
Um sistema político-administrativo forjado nestas condições não conseguiu sobreviver às adversidades próprias de quem disputa poder, chegando a 1974, como uma caricatura de poder. No intervalo de tempo que foi de 1895 até 1974, Lisboa, sempre que pôde, foi esvaziando o poder autonómico, nem que para tal tivesse que recorrer à força. Foi o que aconteceu a 28 de fevereiro de 1933, quando o povo saiu à rua e se manifestou no Largo Vasco Bensaúde, tendo o exército português avançado sobre os manifestantescom uma viatura armada matando três manifestantes e ferindo sete.
A 22 de fevereiro de 1933 foi publicado um projeto de constituição que representava um recuo na autonomia, uma vez que nem se referia a esta. Por outro lado, a 15 de julho de 1932 tinha assumido o Governo do Distrito o micaelense Dr. Jaime Resende do Couto. Perante a afronta política que se estava a desenhar, Jaime do Couto deslocou-se a Lisboa onde desenvolveu todos os esforças para conseguir uma solução política que preenchesse as legitimas aspirações dos açorianos micaelenses. Com ele estavam todas as forças vivas do seu Distrito, nomeadamente as Câmaras Municipais e a população. Em solidariedade para com Jaime do Couto quarenta e seis Juntas de Freguesia e alguns corpos administrativos defenderam que apresentariam demissão caso a sua missão junto do poder central ficasse votada ao fracasso.
Mesmo representando um bloco coeso Jaime do Couto viu a sua missão votada ao fracasso, apresentando demissão do seu cargo no dia 25 de fevereiro de 1933, mesmo em Lisboa, onde estava a tentar encontrar uma solução política para a sua terra.
Como consequência desta demissão todas as autarquias e corporações administrativas também pediram a sua demissão. Nos dias 27 e 28 de fevereiro milhares de pessoas manifestam-se nas ruas de Ponta Delgada e para pôr termo a estes protestos o governo central mandou disparar sobre a população desarmada originando três mortos e sete feridos. No dia 28, o coronel Alfredo Humberto Anjos da Câmara, comandante militar, assumiu o Governo Civil do Distrito e toma medidas de exceção. Esmagada a população, houve que ajustar contas com Jaime do Couto, o que veio a acontecer como consequência de um processo relâmpago, baseado em factos particulares, que o levaram à prisão no dia 6 de fevereiro de 1934, por um período de dois anos.
Nos doze anos seguintes o cargo de Governador Civil foi sempre desempenhado por indivíduos de fora o que aliado a um forte desprezo do poder central para com os açorianos, originou um dos períodos mais negros da História dos Açores.
Ponta Delgada,
15 de Fevereiro de 2019
Rui Medeiros
artigo publicado no correio dos açores http://