domingo, 3 de julho de 2016

(Passado presente) - IDENTIDADE, DESCENTRALIZAÇÃO E AUTONOMIA


IDENTIDADE, DESCENTRALIZAÇÃO E AUTONOMIA
Por Pedro Gomes

1. Assinalaram-se cento e vinte anos da promulgação do Decreto de 2 de Março de 1895, ou Decreto Autonómico, como ficou conhecido na história, que consagrou a autonomia administrativa dos distritos açorianos, por decisão dum governo de ditadura, dirigido pelo açoriano, Hintze Ribeiro. Longe das propostas de Aristides Moreira da Mota, de 1892 ou de Dinis Moreira da Mota, de 1893, apresentadas na Câmara dos Deputados e bem mais ambiciosas, preconiza uma autonomia de natureza administrativa, negociada entre os autonomistas micaelenses e Hintze Ribeiro, num período em que as Cortes estavam suspensas entre actos eleitorais.

O Decreto Autonómico constituía a excepção à aplicação do Código Administrativo, estruturando a organização do poder administrativo numa base distrital, para os distritos que o solicitassem, tendo como órgão central a Junta Geral, uma velha instituição que, nas ilhas, resistiu à erosão dos tempos.

O novo diploma identificava as matérias de natureza administrativa em relação às quais as Juntas Gerais eram competentes, atribuindo-lhes recursos financeiros, limitados a uma parcela de rendimentos públicos do Estado. Embora constituindo uma novidade quanto à administração dos Açores, este Decreto, mantendo a organização distrital, não constitui o esteio duma autonomia regional, apenas consagrada na Constituição da República Portuguesa, de 1976. A unidade política dos Açores não tem acolhimento neste Decreto, que se assume como herdeiro da solução tradicional da divisão administrativa dos Açores em distritos.

Para a história do movimento autonómico açoriano, o Decreto de 2 de Março de 1895, fica apenas como pressuposto fundacional da autonomia ou, como o designa Reis Leite, “mito fundador da autonomia”. 

2. Vitorino Nemésio compreendeu bem a importância da geografia e da história, na definição da identidade regional, que ele viria a designar como “açorianidade”, num texto escrito para a revista Insulana, em 1932. Esta consciência de identidade assenta numa ideia de diferenciação, de distinção suficiente, marcada pelas circunstâncias dum tempo, o que se significa que as marcas identitárias têm natureza evolutiva.

A afirmação duma identidade, na confluência da cultura, da história e da geografia, implica, no plano da organização do Estado, uma diferenciação que lhe dê expressão no exercício do poder: em 1895, apenas um limitado poder administrativo; em 1976, um poder político, legislativo e financeiro, constitucionalmente definido e ainda com outros poderes que os Estatutos Político-Administrativos de cada uma das regiões autónomas viessem a reconhecer.

Ao longo da história, com hesitações e até contradições, os movimentos autonomistas procuram que o Estado conceda aos Açores a possibilidade de exercício duma parcela de poder, numa reivindicação sustentada no conceito de identidade regional, que justificaria um tratamento diferente em relação ao todo nacional.

3. O conceito de região e de unidade política regional dos Açores constitui uma novidade da democracia. Como assinala Carlos Amaral, “a região é um edifício humano e uma construção identificacional”. A identidade regional expressa-se numa dialéctica entre a geografia, a cultura e a acção política, a que os constituintes de 1976 deram expressão constitucional, tornando-a no fundamento da Constituição autonómica e da solução de auto-governo adoptada para os Açores.

A açorianidade não é estática, nem obedece a um modelo. A nossa consciência de povo, de comunidade de pertença e de destino, altera-se de acordo com o tempo e a história, sem que isso coloque em crise a própria ideia de açorianidade.

(Publicado no Açoriano Oriental de 4 de Março de 2015)

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