terça-feira, 28 de junho de 2016

O regresso da FLA




DI – Tem a responsabilidade de suceder a José de Almeida, líder histórico da Frente de Libertação dos Açores (FLA), falecido em 2014. O que o levou a aceitar este desafio?

Os Açores têm quase seiscentos anos de História e uma relação difícil com Portugal, o que nos obriga a ter que estar preparados para defendermos as nossas posições, que frequentemente colidem com as de Lisboa e a experiência mostra-nos que sempre que isto aconteceu Lisboa não hesitou e optou por si. Por outro lado, somos uma região semelhante a outras existentes na Europa e verificamos que estas têm partidos e movimentos independentistas que têm uma importância determinante. Tal verifica-se porque estes estão sempre do lado das regiões a que pertencem, não estando condicionados pelo poder central, o que significa que são os que melhor defendem os interesses das populações das suas regiões. Recentemente a Escócia em referendo optou por continuar integrada no Reino Unido, porém nas eleições seguintes os partidos independentistas obtiveram uma maioria esmagadora. Este exemplo serve para ilustrar a importância deste quadrante político. Apesar do povo escocês ter considerado que o momento não era o mais adequado para a declaração de independência não deixou de confiar aos independentistas o seu futuro. Nos Açores quando nos vimos confrontados com a adversidade foi junto dos independentistas que as populações procuraram apoio. Na sociedade de então existiam muitas instituições formalmente constituídas a quem as populações poderiam solicitar apoio, porém foi junto dos independentistas que a sociedade se refugiou. Este facto é muito significativo e confere-nos grandes responsabilidades históricas e políticas, porque perante a adversidade fomos considerados pessoas em quem se podia confiar.

É de referir que somos uma região demasiado pequena para se dar ao luxo de poder prescindir da ação politica dos independentistas. Atendendo a que o que nos move é o interesse dos açorianos, teremos sempre uma capacidade reivindicativa que nos trará benefícios.

Consciente da importância que os independentistas têm para a defesa dos Açores e sabendo que a nossa História não terminou, considerei que era meu dever dar o meu contributo.

DI – A nova liderança da FLA surge numa altura em que a conjuntura é diferente daquela que existia há 40 anos. Considera que os mesmos pressupostos que levaram ao surgimento do independentismo nos Açores ainda mantêm?

A ação politica tem que ser sempre contextualizada e resulta da ação dos seus atores. Há quarenta anos viviam-se momentos muito diferentes dos atuais. Na altura, os açorianos, numa primeira fase, retomaram os velhos ideais de1895, procurando dar continuidade a um processo tinha sido esmagado por Portugal. Houve reação e esta condicionou as referidas pretensões. Como consequência os açorianos passaram a reivindicar independência. Neste contexto o independentismo foi reativo. Como consequência da ação independentista, Portugal teve interesse em apoiar a autonomia. Numa primeira fase, com os independentistas mais ativos, prometeram um processo evolutivo, conforme as hostes independentistas foram acalmando, Lisboa foi recuando nas suas promessas e quando compreendeu que tinha montado uma estrutura que lhe permitia ter controlo político sobre os Açores, a autonomia entrou numa fase de desconstrução. A História repete-se mais uma vez.

Este conhecimento permite-nos pensar de forma diferente, pois temos que tirar algumas conclusões das experiências vividas. Portugal não tem uma cultura de descentralização e raciocina como sempre o fez, tratando-nos como colónia que de facto somos. Lisboa não nos vê como pares mas sim como os habitantes de umas ilhas de que são donos. Foi sempre assim durante os quase seiscentos anos em que aqui vivemos e esta condição teve sempre um custo enorme para as populações.

Em síntese, os atores políticos são outros, o contexto mudou, a experiência confirmou-nos desconfianças, porém, os pressupostos são os mesmos. O que sempre nos moveu foi a vontade de criar um País sustentável, onde possamos garantir um futuro para os nossos filhos, em vez de os vermos partir, como sempre aconteceu (nos Açores não houve emigração, houve êxodo, somos milhões fora e poucos por cá). Aquilo que nos move, não é de hoje. Em 1820 ficou registado por um Jorgense, em 1892, em Angra do Heroísmo, voltou a ser lembrado.

DI – Na sua perspetiva quais seriam as vantagens da independência dos Açores?

A sua pergunta remete-nos para a fase final de um processo. Sabendo que os países são construções que resultam de processos evolutivos, pensar os Açores independentes implica que tenhamos que integrar no nosso raciocínio a fase intermédia. Durante esta fase, os independentistas, que têm uma atitude politica mais preocupada com as questões de sistema e que colocam os Açores acima dos interesses que estão ligados ao exercício do poder, poderão ter um papel fundamental. Isto acontece porque o poder é exercido por partidos políticos que são sucursais dos partidos portugueses, logo os intervenientes locais prestam vassalagem aos nacionais para poderem sobreviver politicamente. Nestas condições, Portugal nem precisa dar um murro na mesa para impor a sua vontade, basta-lhe ameaçar retirar os cargos.

A existência de independentistas permite contrariar esta lógica e proporciona a possibilidade de construirmos um país que tenha condições para negociar as suas interdependências. Nós melhor que ninguém sabemos o que é bom para os nossos. Deixar o nosso destino nas mãos de Portugal, compromete seriamente as nossas pretensões.

DI – Os nacionalismos estão a ganhar peso na Europa como é o caso da Espanha. A FLA pretende ter um relacionamento mais próximo com os movimentos separatistas de diversas partes do mundo?

Lisboa está satisfeita com a sua cadeia de controlo e não hesita em violar uma das mais elementares regras da democracia - o direito de associação - proibindo a existência de partidos regionais e de organizações que defendam a independência. Ao contrário do que acontece na Europa, os independentistas nos Açores são tratados como marginais. Quando numa sociedade existe um grupo de cidadão que não se pode associar para defender as suas ideias, quando existe uma lei que retira a possibilidade a este mesmo grupo de participar nos atos eleitorais, então estes cidadãos não são homens livres.

É nosso dever junto de todos os organismos internacionais denunciar a nossa condição e denunciar o poder de Lisboa como o responsável por um Estado que se diz democrático, mas que defende leis próprias das ditaduras que condena.

Já estabelecemos alguns contactos com partidos independentistas europeus e vamos continuar a fazê-lo. Tal como eles, havemos de participar no sistema e quando chegarmos ao poder lutaremos por tudo o que considerarmos ser o melhor para os Açores. Se verificarmos que é melhor continuarem ligados a Portugal, continuaremos. Se for evidente que ficaremos melhor independentes, então seremos. A vontade será a dos açorianos. Não compete aos outros serem os donos dos nossos destinos.

DI – Defende uma rutura com Portugal num hipotético cenário de independência dos Açores ou seria possível manter alguns laços especiais?

Esta questão sempre foi pacífica entre nós independentistas. Portugal terá sempre uma ligação especial com os Açores independentes. Apesar de durante estes seiscentos anos de vivência conjunta termos razões de sobra que justificam a nossa separação, neste mundo de interdependências se tivermos que privilegiar alguém este alguém será Portugal, para além dos países de acolhimento das nossas comunidades (a ingratidão é o pior dos sentimentos).

* Entrevista no Diário Insular de TERÇA o 28.JUN.2016

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